quarta-feira, 28 de maio de 2008

José Júnior, um erro de "Casting"? (Cont...) - Poema da Carlos Drummong de Andrade


E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, Você?
Você que é sem nome,
que zomba dos outros,
Você que faz versos,
que ama, protesta?
e agora, José?
Está sem mulher,
está sem discurso,
está sem carinho,
já não pode beber,
já não pode fumar,
cuspir já não pode,
a noite esfriou,
o dia não veio,
o bonde não veio,
o riso não veio,
não veio a utopia
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo mofou,
e agora, José?
E agora, José?
sua doce palavra,
seu instante de febre,
sua gula e jejum,
sua biblioteca,
sua lavra de ouro,
seu terno de vidro,
sua incoerência,
seu ódio, - e agora?
Com a chave na mão
quer abrir a porta,
não existe porta;
quer morrer no mar,
mas o mar secou;
quer ir para Minas,
Minas não há mais.
José, e agora?
Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse,
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse....
Mas você não morre,
você é duro, José!
Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja do galope,
você marcha, José!
José, para onde?
E agora, José?

Carlos Drummong de Andrade

2 comentários:

Anónimo disse...

Para uma taberna no largo da Amoreira

Embriagai-vos

"Há que estar sempre embriagado. Tudo está nisto: é a única questão. Para não sentir o terrível fardo do Tempo que vos dilacera os ombros e os encurva para a terra, embriagai-vos sem cessar é preciso.

Mas de quê? De vinho, poesia ou virtude, como achardes melhor.

Mas embriagai-vos.

E se às vezes, nas escadarias de um palácio, na verde relva de um barranco, na solidão de seu quarto, você acordar com a embriaguez já diminuída ou sumida, pergutem ao relógio, ao vento, à vaga, às estrelas, a tudo que foge, a tudo o que geme, a tudo o que rola, a tudo o que canta, a tudo o que fala, perguntem que horas são; e o relógio, o vento, a vaga, as estrelas, as aves lhe responderão: "É hora de embriagai-vos! Para não serem os escravos martirizados do Tempo, embriagai-vos; sem cessar embriagai-vos! De vinho, poesia ou virtude, como achardes melhor".

--Charles-Pierre Baudelaire.

Vitor B. disse...

Bela sequência, Drummond e Baudelaire. Lembra-me uma coisa, a Festa da Vida!

Como os humildes, os marginalizados, podem festejar, às claras, a Festa da Vida!

Como os bafejados da vida, os pedantes, os "pirrónicos" podem celebrar, protegidos, a Festa da Vida!

(...)"Para não sermos", no dizer de Baudelair, "escravos martirizados do tempo"!

Como um bom cozinheiro, Carlos, temperas-te com "dedo" o repasto!

Uma delicia!

Um abraço,
Vitor