sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

Saída sem Saída ?


São cada vez mais as vozes que se juntam à voz do economista João Ferreira do Amaral. A saída do euro apresenta-se cada dia como mais inevitável para os ditos países da periferia. O português médio começam a compreender o que significa estar dentro da moeda única, sentindo na pele o significado do desemprego, a inércia das medidas que tardam e (quase nunca) funcionam, o significado do sentido de "centro de decisão comum", o significado de "interesses dos mais fortes", o significado de "não há almoços grátis"... À esquerda do PS, já surgem no BE, contra a linha oficial, vozes dissonantes que apontam o caminho da saída como a única alternativa que permitirá a Portugal renascer com um ritmo próprio, não dependente de terceiros, com todas as vantagens que a soberania e flexibilidade da moeda própria permitem. Há alternativas para "um afastamento monetário" e a discussão é útil, mas o equilíbrio das forças não é fácil.

25 de Maio de 2014 aproxima-se, e é inevitável e saudável relançar a discussão sobre as consequências e os benefícios da moeda única. Sobretudo pensar o euro à luz do que nós cidadãos sentimos nas nossas vidas para o melhor e para o pior e, acima de tudo, ponderar sobre o que dela podemos esperar. Em Maio temos uma nova oportunidade de decidir sobre o nosso futuro comum, dentro da Europa, dentro da moeda única. É o tempo de iniciar uma discussão prática e acessível a todos. É o tempo das forças no terreno apresentarem as suas propostas, é o tempo de novas forças sociais emergirem de movimentos genuinos que representem uma nova vontade de actuar, é o tempo de nós cidadãos agirmos em benefício do bem comum.
Só estamos à altura das nossas exigências se agirmos agora, caso contrário é tempo de nos subordinarmos, resignados(?)!

quinta-feira, 28 de novembro de 2013

pop neoliberal

Gosto que este Henrique Raposo assuma esta posição, o paladino de uma direita radical que preferia que tivesse sido um cacique a "comandar" o 25 de Novembro no lugar de Ramalho Eanes. Hoje teríamos, um presidente, um governo e um tribunal constitucional!... vejam (só) a desgraça que era!

Não aconteceu.

Sou um admirador de Sá Carneiro nos seus ideais da social democracia. Nunca lhe apreciei a linha, redutora, de uma concentração de todos os poderes, que quase resultou na sua única marca. Acredito que o combate político e a diversidade de oponentes, na cena, é sempre preferível a um Estado monolítico de ideias e de ideais.

Este é o enfant terrible da pop neoliberal, farta-se de "cagar postas de pescada", tipo Nuno Rogeiro d'outros tempos. Não percebe e também não está interessado em perceber, qual foi a vivência do Portugal de 74 a 85. Mas não será a sua indiferença perante tudo o que desconhece ou tudo o que não vivenciou que vai retirar a esses momentos únicos, o seu ideal revolucionário, o seu carácter ideológico de pendor romântico e anárquico. A experiência do desconhecido e o medo do imprevisível, assustam os que usam a informação para limitar a mundividência à leitura do aparo da sua caneta e ao registo datado, zombando, com arrogância e despeito, das linguagens que abrem os novos caminhos e as novas alternativas. Ler tudo à luz da velocidade das redes sociais de que hoje dispomos e imaginar que as transformações se operavam in illo tempore de uma semana para a outra (à boa maneira do "jogo" do tipo Moreira de Sá, com tese e tudo) é de um profundo pedantismo.


Não Riquinho, as transformações operaram-se com com paixão, com substância e com combate. Mudavam-se as mentalidades, com as ideias, não era com a força da fome e da miséria, como o Riquinho advoga e com que rejubila.


Ah! isto tudo para (lhe) dizer que, ao contrário do menino, penso que "Eanes (não) fez sempre a vida negra aos políticos que pretendiam normalizar o regime", Eanes, foi parte da normalização.

terça-feira, 12 de novembro de 2013

O Bode Expiatório



Francisco Barroso

Está tudo do avesso. O mundo está ao contrário e, mesmo sem conhecermos as causas profundas, todos temos essa intuição, essa perceção. A evolução moral, como a pessoal, é lenta e tem por vezes recuos significativos. Em termos coletivos estamos num desses períodos seguramente.
É de todos conhecido o facto de nas sociedades primitivas o valor ou a importância residir no coletivo. Era o grupo que era importante, não o indivíduo, a sobrevivência da tribo ou grupo dependia disso. A pessoa, nesses tempos, não tinha qualquer valor além do grupo ou da comunidade em que estava inserida. Aliás, quando as coisas corriam mal, o grupo para apaziguar a ira das divindades, que naqueles tempos eram tão cruéis quanto os homens, pois que criados à sua imagem e semelhança, não tinham qualquer pudor em sacrificar-lhe um dos seus.
Se recuarem à mitologia grega, que é já uma coisa recente, lembrarão que Homero e Hesíodo atribuíram aos deuses, tudo aquilo que entre os homens é repreensível e sem decoro: roubo, adultério e enganos recíprocos. E porventura em território mais conhecido (a Bíblia) lembrarão que no tempo da Páscoa os judeus se dirigiam a Jerusalém para no Templo oferecer sacrifícios a Iavé. Uma das cerimónias consistia em largar no deserto um bode para o qual o Sumo-Sacerdote migrara os pecados do povo com a função de ali os expiar: o bode expiatório.
É fácil de ver que os tempos não têm sido fáceis, mas tem havido evolução, e como ensina o filósofo José António Marina: o uso racional da inteligência, que se materializa na procura de evidências partilhadas, intersubjetivas, que se empenha numa corroboração incessante daquilo que pensa, mediante a critica, o debate, a prova, melhorou a nossa convivência, libertando-nos da tirania da força e instaurando a orbe da dignidade humana.
O surgimento da ética como possibilidade que a inteligência tem de quebrar a lógica do mundo, que é a lei da selva, o reforço do direito com a consagração dos direitos de personalidade, do principio da igualdade, que permitiu o surgimento dos regimes democráticos, que assentam no princípio da responsabilidade pessoal e nos levaram a um patamar civilizacional que pensámos indestrutível…todavia e de repente: ai, ai, ai, que isto assim não pode ser…parece que está tudo a ruir!!!
O que nos está a acontecer é um terramoto moral. O capitalismo, com os seus fetiches hedonistas, levou-nos a níveis de consumismo e individualismo insustentáveis, com dinheiro fácil, muito dinheiro, para termos tudo do bom e do melhor. Pensávamos que só assim merecíamos a aceitação do outro. Sacrificámos tantas coisas para ter mais dinheiro. Um emprego não chegava, arranjavam-se dois. Era preciso trocar de carro, uma casa maior, uma outra casa de férias… acabámos por nos vender por um prato de lentilhas, tal como Esaú vendeu a sua primogenitura e, no entanto, vivemos hoje tempos de amargura.
E os políticos que no plano simbólico e institucional representam o bonus pater família coletivo, que
deviam garantir a justiça, a equidade e o equilíbrio entraram eles próprios em desvario total. Para manter o poder ou para o alcançar tudo se tornou válido. Sustentam a ação num discurso totalmente esquizofrénico, um discurso de feirantes, a vender ilusões quando na oposição e mal alcançam o poder, um discurso inverso, que sustentam com a alta responsabilidade de estadistas, permitindo-se subverter os mais elementares princípios da confiança e da boa fé.
Como é que um conjunto de cidadãos que se propõem governar um país o leva a uma situação de ruína, por dividas colossais que se vão acumulando ano após ano? Por ação, porque para ganhar eleições gastam rios de dinheiro em obras de fachada, muitas quase inúteis só para pagar favores às grandes empresas que os sustentam. Por omissão, por deixarem a banca em roda livre a criar uma riqueza virtual até onde ela própria achou possível.
Foi a alta finança que com a sua ganância infinita e os Estados com a sua inoperância que causaram este terramoto a que deram o pomposo nome de divida soberana, de que não há responsáveis. Os responsáveis não são os banqueiros que fraudulentamente nos enganaram a todos nem os órgãos do Estado que tinham o dever de os supervisionar e não o fizeram. Os responsáveis somos nós. Todos nós que temos que a pagar, filhos e netos…
Ora, é este o aspeto mais relevante do problema. É que apesar da Constituição, de imensas leis em vigor e de tribunais instalados, o meio encontrado como o mais adequado foi o da subversão do princípio de responsabilidade individual. Sendo de grande melindre incomodar os sábios políticos (que raramente têm dúvidas e nunca se enganam) e os poderosos, ataca-se quem poucos ou nenhuns meios tem de defesa, através da conversão (perversão) da responsabilidade individual em responsabilidade coletiva.
Como já se percebeu, o direito já de pouco nos vale. O país está atulhado de leis. Nunca houve tantas como agora e como é que nos sentimos? Como um bode expiatório, inelutavelmente condenados.
O que é que precisamos? De uma moral e de uma ética forte, em que seja natural o respeito pelo outro. Em que o outro seja olhado não como uma mera possibilidade de nosso enriquecimento material, mas antes como possibilidade do nosso crescimento pessoal e interior. Nós não viemos ao mundo ser ricos ou pobres, nós viemos ao mundo, antes de tudo para ser felizes…e esquecemo-lo tantas vezes.
O homem é um ser cheio de possibilidades, mas tão frágil, inseguro e tão perdido nas suas ambições. Afinal de nos servem a Constituição, os códigos, os contratos se não se houver respeito, se não houver palavra?
Numa situação de desamparo como esta deixo-vos com salmo 22 de David: Não te afastes de mim, pois a angústia está perto, e não há quem ajude. Essa é que é essa…
 novembro 2013.

sábado, 2 de novembro de 2013

Gasómetro - Um Museu Mineiro



Cascais, 30 de Outubro de 2013
Ainda estou a digerir um turbilhão de emoções do passado sábado - 26 de Outubro - na Barroca Grande. Pensei que era exagero meu e deixei passar mais uns dias para perceber se o que ali senti tem o selo que lhe confere a marca das coisas que valem a pena reter. E, para o caso, as marcas estão exactamente com a mesma intensidade.
Tinha comigo (como companheiros de viagem) três genuinos seres urbanos que já “viram tudo”, que já “foram a todo o lado” e a quem eu tinha contado a história de um menino que nasceu e cresceu numa região mineira, um homem que ama muito a sua terra e as suas gentes. Para os poder cativar mais, fui-lhes falando da riqueza económica da região, da fabulosa e da trágica história do Couto Mineiro e dos seus principais heróis – os Mineiros. Falei-lhes do sucesso, do declínio e da actual relativa estabilidade dessa micro sociedade. Contudo, não era suficiente. Para abordar ou para discutir este assunto não era necessária uma deslocação tão grande (Cascais - Barroca Grande, viagem directa, com muito enjoo à mistura!). Juntei-lhe o desafio de verem esta história ao vivo e entusiasmei-os ao longo da viagem com a minha emoção. Tudo montado, o meu plano não podia falhar!
Chegados à Barroca Grande, depois de bem confortados, recuperados com um excelente almoço à boa moda beirã, fomos caminhando até ao Museu. Quando a porta do gasómetro, onde está instalado o Museu Mineiro, se abriu, senti-me em casa e tão seguro como um pássaro se sente no seu ninho.
As descrições que fizera aos meus companheiros de viagem estavam tão precisas que me arrepiava ao subir cada degrau da escada e descobria cada recanto do interior do gasómetro e, sobretudo, quando confirmava que o meu imaginário e que as minhas descrições pertenciam ali e coincidiam com as do nosso anfitrião. Claro que já tinha visto, embora de uma forma difusa, o ambiente do seu interior através das redes sociais. Imaginar o funcionamento de um gasómetro, para um garoto que sempre gostou de brincar com carbureto e de inalar os seus gases, também não era a parte mais difícil. Levava a certeza que ali havia vida, havia vidas, havia alegria, havia sofrimento, havia solidariedade, havia amizade, há muito trabalho e há, fundamentalmente, muito amor. Afinal, há aquilo de que se fazem as coisas que valem (mesmo) a pena!
Indescritível.
Já no exterior, o António voltou a insistir, “(…) tu já tinhas visitado o museu?”, e desta vez com a Rosa, outra companheira, a secundar… “já! já... até sabias onde estavam as pedras!”. Desisti, por uma boa razão! Afinal eu nunca o tinha visto, mas (re)vivi cada recanto do gasómetro, personalizei cada documento, personalizei cada objecto, e situei cada personagem em cada história que eles contam. Redescobri um outro olhar sobre uma parte significativa da minha vida e sobre o significado dos locais, das coisas e das pessoas que por ela passam e que ficam. Fiquei mais eu, porque me situei melhor e fiquei, sobretudo, mais tranquilo comigo.
Mas, o mais importante que aqui quero testemunhar, é dizer que cumpri o objectivo a que me propus com a viagem e com as expectativas dos que me acompanharam. Tudo foi superado e surpreendente. Não vos consigo explicar de onde (me) vieram estas certezas antes da visita… mas também há coisas que não se explicam!
Afinal as nossa raízes falam e ficamos mais fortes e seguros quando sentimos onde pertencemos. Foi uma tarde de emoções, de muita comoção, foi uma tarde de muito espanto e de muita surpresa, de conhecimento, de curiosidades, de companheirismo e… de novos fãs!
Foi fantástico!
Bem hajas, José Luís Campos, pelo teu trabalho. 

p.s. É um orgulho visitar a Barroca Grande e verificar o desenvolvimento de um trabalho sistemático de recolha, de preservação e de organização da história viva do Couto Mineiro. Impressiona todos os que aí vivem, viveram ou cresceram e, como eu pude testemunhar, surpreende e rende, até, os mais cépticos que nos visitam pela primeira vez. Votos de muita força para continuares com o trabalho que inicias-te. É merecedor de todo o nosso apoio e, sobretudo, de todo o nosso respeito e gratidão.


Não adiem mais a vossa visita!

sábado, 21 de setembro de 2013

O belo é simples. É!

Fiquei impressionado ao ver estas imagens, a força e a harmonia numa sinfonia perfeita. Não nos é difícil imaginar a força do mar projectada numa onda! Coisa diferente, é imaginarmos um ser frágil que se aproveita da fúria de um gigante para voar na projecção  da sua máxima força, tornando esse conflito num momento de harmonia que só as imagens vos explicarão. Força!
Um bailado nas ondas do cabelo de um gigante.

terça-feira, 10 de setembro de 2013

O Voto: virar o mundo de pernas para o ar

Mudar tudo e de uma vez, é a maior tentação e o maior desejo de quem promete fazer! 
A desilusão é o sentimento mais comum de quem espera este resultado fabuloso.

Perguntar pela primeira medida, pelo primeiro passo, pelo primeiro comportamento e assim sucessivamente, permite ter objectivos mais modestos, mas exequíveis. Permite ter pequenas vitórias e permite relativizar, mais facilmente, possíveis insucessos.

segunda-feira, 9 de setembro de 2013

O Voto: esclarecido?

Promessas eleitorais!... quem é que nunca ouviu? Quem é que nunca se enfureceu porque, depois, acontece tudo ao contrário do que foi prometido em campanha eleitoral?
- Pois é, o arrependimento vem tarde, não há volta a dar! 

Desta vez valerá a pena perguntar (que é a única forma de obter respostas)por:  Para quê? Quando? Como? Quanto? e Quem (vai pagar)?

domingo, 8 de setembro de 2013

O Voto: as más decisões não têm retorno!

Aqueles que não erraram, nunca aprenderam. O conhecimento adquirido deve ser usado para não cometer o mesmo erro e para o saber identificar, no mínimo. O desafio é o de lidarmos com os nossos sentimentos e com as nossas emoções, na hora de decisão, usando a poderosa ferramenta da aprendizagem. 

sábado, 7 de setembro de 2013

O Voto só é consciente como uma resposta (?)

"Tenho seis grandes amigos que me ensinaram tudo o que sei!
Quem? Onde? Porquê? Para quê? Quando? e Quanto/Como?"

Rudyard Kipling

segunda-feira, 12 de agosto de 2013

Assina a Petição para a Realização do Referendo pelo FIM DAS SUBVENÇÕES VITALICIAS




Ex.ma Senhora Presidente da Assembleia da Republica Portuguesas


Os cidadãos que apoiam esta Petição, solicitam a V. Exª. a abertura à discussão pública, através do Instituto do Referendo, do fim de todas as Subvenções Vitalícias derivadas do Exercício de Cargos Públicos, com base nos seguintes pressupostos: 



1. A legislação de tais benefícios não decorre de nenhum programa partidário sufragado universalmente; 

2. O exercício de qualquer cargo público compreende em si mesmo a honra de servir a Pátria, compensação, por si só, bastante para garantir e o reconhecimento desse serviço; 

3. Atendendo a que todos têm o dever de responder, em nome de Portugal, a prestar relevantes serviços e sacrifícios à Nação, mas que ninguém é coagido a tal; 

4. Que, no exercício dessas funções ou cargos, sempre existiu remuneração adequada e aceite por quem os exerceu ou exerce; 

Vimos solicitar a V. Exª. a realização de um Referendo que permita a todos os portugueses, de forma transparente e inequívoca, manifestarem-se sobre a manutenção ou a extinção de toda e qualquer compensação a título de subvenção vitalícia pelo exercício de Cargos Públicos e da sua impossibilidade passada, presente ou futura, uma vez que não se trata de nenhum direito fundamental.


quarta-feira, 12 de junho de 2013

Luta de Classes, por José Luís Peixoto

Não contem comigo para defender o elitismo cultural. Pelo contrário, contem comigo para rebentar cada detalhe do seu preconceito.

josé luís peixoto
A cultura é usada como símbolo de status por alguns, alfinete de lapela, botão de punho. A raridade é condição indispensável desse exibicionismo. Só pertencendo a poucos se pode ostentar como diferenciadora. Essa coleção de símbolos é descrita com pronúncia mais ou menos afetada e tem o objetivo de definir socialmente quem a enumera.

Para esses indivíduos raros, a cultura é caracterizada por aqueles que a consomem. Assim, convém não haver misturas. Conheço melhor o mundo da leitura, por isso, tomo-o como exemplo: se, no início da madrugada, uma dessas mulheres que acorda cedo e faz limpeza em escritórios for vista a ler um determinado livro nos transportes públicos, os snobs que assistam a essa imagem são capazes de enjeitá-lo na hora. Começarão a definir essa obra como "leitura de empregadas de limpeza" (com muita probabilidade utilizarão um sinónimo mais depreciativo para descrevê-las).

Este exemplo aplica-se em qualquer outra área cultural que possa chegar a muita gente: música, cinema, televisão, etc. Aquilo que mais surpreende é que estes "argumentos", esta forma de falar e de pensar seja utilizada em meios supostamente culturais por indivíduos supostamente cultos, e só em escassas ocasiões é denunciada como discriminadora do ponto de vista sexual ou social.

Isso são livros de gaja, dizem eles. Às vezes, para cúmulo, há mesmo mulheres que dizem: isso são livros de gaja.
A raiz da minha cultura não pertence ao elitismo. Tenho orgulho das minhas origens, do meu avô pastor, do meu pai carpinteiro, como outros têm orgulho dos seus longos nomes compostos.
Depois de um trabalho que encerre convicções profundas, que tenha em conta os princípios da sua área artística, que seja consciente da história dessa área e que faça uma proposta coerente e inovadora, acredito na divulgação o mais ampla possível.

Esconder uma obra em tiragens de 300 exemplares não lhe acrescenta um grama de valor artístico. Quando essa falta de divulgação resulta de uma escolha, pressupõe, quase sempre, falta de consideração pelo público, a crença de que um público mais vasto seria incapaz de entender tamanha sofisticação.
Acredito que a poesia pode ser publicada em caixinhas de fósforos, escrita com trincha ou spray nas paredes, impressa em t-shirts, afixada no facebook. Em qualquer um desses lugares, será diferente, mas em todos continuará a ser poesia.

É ridícula a ideia de que a divulgação deturpa. A banalização é sempre tarefa de quem banaliza e não do objeto banalizado. Quem não for capaz de convocar os seus sentidos e a sua razão para apreciar uma determinada obra, apenas por acreditar que se encontra muito difundida, tem problemas graves ao nível do espírito crítico e da isenção mais básica. Esse é um daqueles casos em que se aconselha a lavagem de olhos. É aí que reside a deturpação.

Admiro o povo ao qual pertenço. Não o povo mitificado, admiro o povo quotidiano. Gosto de ir a feiras. Gosto de comer frango assado com as mãos. Devo tanto à cultura deste povo como devo a Dostoievski Há alguns meses, a personagem de uma telenovela citou um poema escrito por mim. Toda a gente da minha rua viu e ouviu. A minha mãe ficou orgulhosa e eu também.



Chamo-me José ou, se preferirem, Zé. Desprezo o elitismo. O verbo não é exagerado, adequa-se bem ao que sinto.
Hei de sempre divulgar o meu trabalho na máxima dimensão das minhas capacidades. Devo esse esforço à convicção que tenho naquilo que escolhi dizer. Fico feliz se vejo os meus livros disponíveis em supermercados, estações de correios, bombas de gasolina ou bibliotecas públicas.

Aquilo que faço não existe sozinho, precisa de alguém que lhe dê sentido, o seu próprio sentido e interpretação pessoal. Se uma árvore cair sozinha na floresta, sem ninguém por perto, será que faz barulho? Por esse motivo, o esforço de divulgação é também uma mostra de respeito para com essas pessoas, é um sinal da minha crença nelas e no seu valor. Exatamente como estas palavras, que existem porque estás a lê-las.
Escrevo romances, a minha força de vontade é enorme. Tenho 38 anos, conto estar por cá durante bastante tempo. Tenho ainda muito por fazer.
Habituem-se.
Não tenho medo.

José Luis Peixoto

in revista Visão (Maio 2013)

quinta-feira, 25 de abril de 2013

A Liberdade é a Vida


Entre a liberdade e a vida há caminhos, montanhas, vales, planicies, estepes, glaciares e até oceanos. Apesar daquilo que as distância, sem vida não há liberdade e sem liberdade não há verdadeira vida. Por mais caminhos que haja para percorrer, por mais montanhas por escalar ou estepes por conhecer, por mais vales que existam por atravessar ou oceanos por navegar, a liberdade e a vida estão condenadas a se cruzar em prenúncios mais ou menos fugazes produzindo a dignidade de que ambas se alimentam.
Todos os seres cumprem o seu ciclo de vida na perfeição, excepto o homem, cuja vida é um continuo chegar e um contínuo partir pautado de decisões que o conduzem, em crescendo, por um destino  cada dia mais incerto e cada dia mais intenso na busca da liberdade.
25 de Abril de 2013

terça-feira, 2 de abril de 2013

Paulo Morais e o Sermão de Stº António aos Peixes

Ainda há gente que se pode apresentar como um bom exemplo do que é uma pessoa de bem. Não restam muitos, sobretudo no domínio público activo, mas há-os e bons. Paulo Morais é um desses exemplos, na serenidade, na lucidez, na verticalidade, na persistência e, sobretudo, na dignidade. Para o ouvir ou ler é necessário procurar, mercê das suas posições incómodas para os interesses instalados e para as personalidades políticas instaladas em altos cargos ou em transito para prateleiras douradas. Estuda os dossiers, fundamenta as suas declarações e está inteiramente disponível para prestar declarações em sede de Comissões Parlamentares ou em sede das acusações graves que faz nas suas declarações, junto do Ministério Público.

Neste trajecto sem quartel é um homem extremamente só de quem todos os influentes se afastam,  blindando o seu raio de acção e procurando minimizar o efeito da sua influência, por exemplo através dos media de referência. É, assim, uma "voz que brada no deserto" ou um homem que prega um sermão aos peixes. Merece, por certo, muito mais de nós todos, os indignados, os acomodados, os reles, os bajuladores, os que têm sempre uma razão para não fazer nada, os que estão do lado certo, os que estão do lado errado - para os abarcar a todos! Merece, porque fala por nós, clamando pela justiça que falta, pela justiça que tarda, pela justiça que desejamos e - mais importante de tudo - com objectividade.

Para finalizar, partilho a última entrevista de Paulo Morais e convido-vos a ouvir o que este Homem tem para dizer acerca dos interesses instalados, de uma forma desapaixonada, objectiva e independente. Depois decidam!



sábado, 16 de fevereiro de 2013

Dos homens sem coração


José Teodoro Prata

Escrever sobre os homens sem coração foi o desafio que me lançou, recentemente, o Vítor Batista. Não é terreno em que me sinta à vontade, mas sou suficientemente irresponsável para responder ao repto.
Antes de começar, uma declaração de interesses: sou de esquerda. Apartidário e com sentido crítico quanto baste, mas dessa esquerda inútil que entregou os portugueses ao neoliberalismo e não tem um projeto alternativo credível para o país.

A promiscuidade Estado-Empresas
            Temos de recuar umas centenas de anos para perceber a coisa. Após a Reconquista, o grande D. Dinis e outros que se lhe seguiram fizeram deste território o berço de um povo que em 1383-85 teve a força de dizer não e colocou um bastardo no poder, por ser isso que lhe convinha. E nas décadas seguintes aventurou-se nas descobertas, em feitos maiores que as atuais viagens espaciais. Havíamos atingido a maturidade.
            Mas D. João II reservou para si o rico comércio da Guiné e o sucessor D. Manuel considerou que não havia gente capaz de negociar na Índia e ficou com o bolo inteiro. Toda a gente trabalhava para o rei, até Luís de Camões, escrivão na feitoria de Macau. Mas o Oriente era longe e a missão arriscada. Por isso todos pediam um cargo ao rei, para depois, no terreno, o roubarem quanto pudessem. E foi esta a origem do chico-espertismo e da corrupção generalizada. Se a isto juntarmos a fuga dos comerciantes cristãos-novos, perseguidos pela Igreja, temos as razões da inexistência de uma classe empresarial forte e autónoma do poder político.
             De então até hoje, foi um contínuo calvário. Mesmo quando Portugal voltou a ter um projeto económico digno, era a mão de Pombal que tudo dava e tudo tirava. O liberalismo nada alterou, até porque a base da riqueza nacional continuou a ser o ganho fácil obtido nas colónias sob a proteção armada do Estado. Salazar foi um digno representante dessa economia, um pacóvio que em São Bento criava perus para cravar os ministros, por alturas do Natal, e entesourava o ouro no Banco de Portugal, enquanto os portugueses partiam, aos 100 mil por ano, como agora. 
            A democracia trouxe-nos a reconfiguração da economia, com os portugueses a substituírem a teta das colónias e pela mama da União Europeia, sem perceberem que esta não era de graça, como a outra.
            E os novos tempos trouxeram políticos novos, alguns de qualidade, porque forjados nas dificuldades, depois uns chico-espertos inúteis, filhos de todas as facilidades que a mãe democracia lhes proporcionou. Como bons herdeiros da secular aliança Estado-empresas, tratam de se encher, metendo diretamente as mãos na massa ou fazendo-se pagar por transferências para si ou para os seus partidos. Consta que sem isso não há negócio ou obra que seja autorizada em Portugal. Tudo à cobrança do contribuinte. E que dizer do cancro do BPN, um complô de antigos políticos, para se apoderarem do dinheiro dos seus clientes?

Em modo Relvas
            No início desta crise, um nobel da economia dos Estados Unidos protestava por a bolsa de Wall Street e as agências de rating estarem entregues a grupos de jovens encharcados em álcool e drogas, antigos alunos brilhantes, mas com um enorme desprezo pelos milhões de pessoas que arruinavam com os seus jogos financeiros. Vítor Gaspar é o nosso geniozinho caseiro, mas, como disse a CIP, na altura da TSU, nem para gerir uma empresa ele presta, pois quem sabe apenas uma coisa, não sabe nada! (A minha escola, muitas escolas portugueses, já há muito que estão organizadas para produzir estes monstrinhos: a receita é colocar os alunos apoiados pelo SASE e pela Educação Especial isolados numa turma, para não atrapalharem o desenvolvimento dos melhores. Se isto não é fascismo, o que é? Pedagogia?)
            O Coelho não enganou ninguém. Durante a campanha eleitoral, nas entrelinhas, ele foi apresentando o seu projeto, que agora se percebe melhor: reduzir o custo do trabalho na produção, em sintonia com o que se está a fazer noutros países da Europa. Isso permitirá ao sistema financeiro apoderar-se de uma fatia ainda maior do bolo. Por outras palavras, empobrecer-nos, através da redução dos salários e do aumento dos impostos. Por isso a TSU, a tentativa de transferir dinheiro dos trabalhadores para os patrões. Ele está-se borrifando para Portugal e até mesmo para o seu partido. Meteu o Franquelim no Governo e só não vai buscar o seu conselheiro Dias Loureiro se não precisar dele! A única coisa que lhe interessa é cumprir a sua parte do plano, assessorado por António Borges, o homem que entre nós representa este projeto financeiro global.
            Viram o sorriso com que Carlos Moedas defendeu a qualidade do estudo elaborado pelo FMI, a pedido e a partir de informações fornecidas pelo Governo? Ele sabia toda a maldade que o projeto contém, mas o sofrimento dos portugueses nem respeito lhe mereceu, mesmo sabendo o que nós só depois descobrimos: o documento foi elaborado com muitos dados falsos. Os fins justificam os meios.
            Depois da queda de Sócrates, a esperança de quase todos, nos diferentes quadrantes, era que os defeitos da anterior governação fossem corrigidos. À cabeça, a promiscuidade Estado-empresas e a arrogância iluminada de quem governa. Mas saiu-nos o Relvas, formado na universidade do chico-espertismo, que viveu de esquemas com o seu parceiro Coelho, para sacar subsídios da UE e se relacionar com países emergentes de quem pudesse tirar vantagens. Por isso não é demitido, embora já tenha afastado todos os que na comunicação social se lhe atravessaram no caminho. Ele e o Coelho têm um caderno de encargos e só podem separar-se quando as empresas do Estado tiverem passado para os privados, se possível aqueles a quem as prometeram. E do bolo ainda fazem parte algumas joias como a TAP, os Correios e as Águas de Portugal. Há que esperar, pois os melhores negócios ainda estão em carteira!

Por uma ética política
            Teoricamente, há duas instituições que ambicionam trazer à política a indispensável ética: a Maçonaria e a Opus Dei.
            Da Maçonaria faziam parte, no século XIX, muitos sacerdotes. Na província, eles foram mesmo algumas das figuras mais marcantes. Mas a Igreja terá proibido a sua pertença a esta organização laica. Se tivessem continuado, talvez a experiência da Primeira Republica não tivesse fracassado. Depois Salazar quase acabou com ela e agora vive dividida entre os que professam ainda uma ética republicana e os que se servem da Maçonaria para traficar influências, ao jeito de uma organização mafiosa.
            Da Opus Dei conheço tão pouco como da anterior. Sei que os fundamentalismos religiosos sempre representaram um enorme perigo para as sociedades. A existência de uma lista de livros proibidos é coisa de mentes perturbadas e lembra-nos o Índex da Inquisição. Para uma Igreja com tantas dificuldades, sempre, em sair do lado dos poderosos, ter a sua elite política, social e económica educada por esta gente é o pior que lhe podia acontecer e a Portugal também.
            Será nesta dificuldade dos portugueses de pensarem a política como um serviço à comunidade, no respeito pelo Homem, que estará a causa da falta de grandes políticos que nos tirem deste atoleiro?