segunda-feira, 9 de junho de 2008

As palavras, onde queremos que nos levem?


Exprimindo os seus pensamentos em palavras de que eles não são senhores, alojando-os em formas verbais cujas dimensões históricas lhes escapam, os homens que crêem que as suas falas lhes obedecem não sabem que se submetem às suas exigências.




Michel Faucault, As Palavras e as Coisas


Momentos há em que a discussão se torna num “chorillo” de disparates que se levantam à volta de um tema, que de central se passa, num ápice, a sub-secundário.

Desta vez soa-me a uma coisa parecida com isto: “- O meu pai é melhor que o teu!”. Soa a disputa infantil, há quem afirme que temos duas infâncias!

E, usamos palavras nestas disputas!

Tornando a condição do nascimento (não o nascimento) num estigma ou numa glória. Como se o filho do carrasco, tivesse que ser carrasco, porque seu pai o foi! Como se o filho do “herói” tivesse que ser o mesmo herói que seu pai foi! Como se o desconhecido (só) fosse o abismo!

Uma das principais características da linguagem está na sua perecibilidade. A inutilidade da sua apropriação reside exactamente no curto prazo de validade de todo o enunciado ou declaração. A razão da sua vitalidade, curiosamente, reside também na sua inutilidade. Alguns tempos atrás, assistia a uma peça de teatro de Witold Gombrowicz e ouvi da boca de uma das personagens a seguinte afirmação: “A palavra transforma-se numa declaração e como uma pedra afoga-se no silêncio”, quer isto dizer que é preciso descobri-la de novo e de novo declará-la, continuamente. Uma palavra suscita uma outra. Uma situação uma outra. A necessidade constante de dizer e organizar a realidade numa estrutura sensata acompanha a criação e o drama da sua volatilidade. (Esta citação guardei-a, como um tesouro, no meu bloco de notas, que me acompanha sempre e utilizo-a com alguma frequência!)

A frase que acabo de citar, afogada no meu silêncio, incomodou-me e, aprofundei algo mais acerca de Witold Gombrowicz, procurei durante um dos intervalos material disponível sobre o dramaturgo e da sua última entrevista destaco a seguinte comentário: “Hoje, as coisas são falsamente complicadas, há um intelectualismo, para mim, de má qualidade, que procura as coisas, os paradoxos, as novidades, tudo o que quiserem, e que esquece as coisas essenciais.” (in Gombrowicz, Caderno dirigido por Constantin Jelenski e Dominique de Roux, Editions de L´Herne, 1971)

Perguntei-me, por várias vezes, porque razão liguei este enunciado ao tema que aqui desenvolvemos – sobre José Júnior? Na verdade, constantemente vinha à minha memória. Não sei! Talvez porque entenda neste enunciado uma espécie de prenúncio sobre o que significa a linguagem para a maioria dos sujeitos: uma redução da linguagem à simples relação entre o homem e as coisas, considerada sob um aspecto puramente individual, como se cada um comungasse no seu coração apenas com a sua linguagem, completamente isolado dos seus semelhantes.

É estranha a sensação que sinto, por ter iniciado esta reflexão, prestes, que estou, de a concluir. Para que melhor possam entender o que me amargura, valho-me, mais uma vez, das palavras de Witold Gombrowicz, “E não tendes sequer a consolação de pensar que aquilo que escreveis ou fabricais tem valor aos vossos olhos: tudo isto repito-o, não passa de imitação, empréstimo, e reflecte apenas a ilusão de que possui um peso, um valor.” O vaticínio para uma atitude persistente de apropriação da linguagem e da verdade é demasiado dramático e, simultaneamente, real: “Encontrais-vos numa situação falsa que só pode dar frutos amargos. Em breve a hostilidade, o desprezo, a maldade vão desenvolver-se(…), cada um despreza o outro e se despreza, tornais-vos numa sociedade de auto desprezo e acabareis vós mesmos por vos desprezardes mortalmente.” (in Ferdydurke, Witold Gombrowicz, Éditions Gallimard - Folio, 2001).”

E, isto está a acontecer-nos!

Vítor Baptista

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