sábado, 24 de maio de 2008

José Júnior, um erro de "Casting"? "O meu Zézito" (Cont...)


Sentado nas escaleiras, ainda quentes do sol do verão escaldante que as torrara toda a tarde, “Júnior” contava-nos, às vezes a nosso pedido, histórias da sua vida. Eu tinha um privilégio, raramente me negava uma história! E vezes sem conta lhe pedia para repetir a história do Zézito, que eu nuca conheci.

As bagas de suor inundavam-lhe a testa ainda com vestígios do mato que se lhe colava à cabeça e aos parcos cabelos que lhe restavam. Inclinado sobre o corpo, olhava-nos nos olhos e perguntava: “quereis mesmo ouvir”... e, (aos acenos de cabeça) assim começava. “O meu Zézito era o garoto mais esperto de Cebola, havia cá poucos como ele, esperto e a correr ninguém o agarrava, batiam-lhe os calcanhares nos fundilhos das calças, até parecia que p'scava lume.” Dizia sempre, “(...)se hoje ainda fosse vivo, tinha... anos”.

“Eu trabalhava na mina e a mãe morreu-lhe cedo, ficamos os dois sozinhos no mundo. Ele ia à escola com os outros garotos e passava o resto do dia na rua, até eu chegar da mina, onde apanhei o mal. Era a melhor coisa que eu tinha neste mundo, o meu Zézito. Mas Deus quis assim... e levou-mo”.

Nesta altura, já os olhos se lhe arrasavam de água. Com o lenço dos quatro nós que nunca desatava e que colocava na cabeça para que o mato não o picasse e não o incomodasse tanto com as comichões que provocava, limpava os olhos e as fontes de onde lhe corriam bagas de suor. Fazia, de quando em vez, uma pausa para tossir, aquela tosse que aflige quem a ouve e cansa a quem tem. A seguir ao ataque, puxava forte, na beata do “Definitivos” que lhe pendia no canto do lábio e como quem toma um remédio para lhe aliviar o mal e dava uma baforada. Por vezes tinha ataques de tosse tão grandes, que se engasga e caía de cabeço no colo, exausto, gemendo “ais”!

Nós, impacientes pelo desfecho da história, acicatava-mo-lo para chegar ao fim. “O resto já vós sabeis! Para que quereis que vos conte o resto... todo outra vez? Andava a brincar à “Ponte”, e agarrou-se à Carrinha do Correio / Carreira, (não sei precisar), como os outros garotos... um dia desamarrou-se e caiu da Carrinha / Carreira, e ficou lá debaixo, atropelado... tinha onze anos!".

“Que ando eu p'ra aqui a fazer?” Dizia de olhos tornados de lágrimas misturadas com o suor que não parava de lhe correr. “Não tenho nada nem ninguém, só este mal!”

Já a minha avó me chamava: “Vítor, oh filho vem buscor a malga de caldo pró ti Zé, anda cá”, gritava-me do fundo das escaleiras da casa, donde espreitava até me ver aparecer do lado da palheira. Em tom de reprovação, austera dizia-me, “ele depois que venha cá trazer, já tens a comida na mesa.”

1 comentário:

finadamina disse...

Vitor,

parabéns pelos teus últimos "postes".
Não há monumentos, nem nomes de rua em nome do Zé Júnior.
Ficam as estátuas das tua letras e as ruas do afecto que tens por ele... e das memórias que vais "abrindo".


"(...)daquela tosse que aflige quem a ouve e cansa a quem tem."(...)
Como eu entendo esta tua frase. Quanto sofrimento!