sábado, 1 de setembro de 2012

Gosto? Por onde andas?





Uma citação de Michel Foucault in 'As Palavras e as Coisas', serve para nos ajudar  a reflectir sobre a perversidade dos meios de comunicação e acerca da problematica  da globalização: Exprimindo os seus pensamentos em palavras de que eles não são senhores, alojando-os em formas verbais cujas dimensões históricas lh
es escapam, os homens que crêem que as suas falas lhes obedecem não sabem que se submetem às suas exigências.

Esta passagem ilustra de uma forma clara o contexto dos modelos actuais de comunicação. As  nossas possibilidades de intervenção e de auto-apropriação do mundo através de  chaves massificadas, convencem-nos de que somos detentores de um poder à nossa medida, auto-regulado, mediático e democrático. Olhando em redor, não é difícil de identificar quais os canais onde estas sensações se cruzam e se confrontam, quer através de redes sociais, quer através dos media tradicionais.

É chocante vermos como é que as cenas mais insignificantes - de que é exemplo o caso Ecce Homo de Borja, Espanha - assumem proporções gigantescas e como é que os verdadeiros factos, aqueles que mudam as nossas vidas, passam invisíveis aos olhos da multidão. Assistimos a uma comunicação sem sentidos, onde as vozes se cruzam e não se ouvem e onde, para cada um, chega o eco de um monologo de si próprio. Enquanto isso, os círculos do poder, manobram nos bastidores a informação que nos sufoca e espalham, cirurgicamente, barreiras de fumo que nos criam as sensações individuais de controlo, que só nos aprisionam, que só nos adormecem, que só nos tornam obedientes e egocêntricos, deixando-nos com a ideia de que fizemos tudo o que devíamos. É a própria "consciência" de que, depois disto, esgotámos as alternativas e assumimos uma postura de incapazes, renunciando à exteriorização da indignação, à imaginação e à liberdade de eu, ser único, pensar e agir.

Os estereótipos comportamentais criados artificialmente para servir às necessidades de manipulação colectiva e para limitarem a expressão da liberdade individual, confinam o mundo da minha acção a áreas de aparente liberdade, sem espaço e com desperdicio do tempo. Um exemplo prático onde o espaço e o tempo se desajustam claramente são os casos mediáticos - Freeport, Face Oculta, Submarinos, Portucale, relvas, privatização da RTP (...). Enquanto nos entretemos num mundo virtual a partilhar factos conhecidos a gostar, a comentar, a discutir a mediocridade, na maioria das vezes de forma solitária - pensando que influenciamos os outros; o tempo não perdoa e as decisões surpreendem-nos, provocando, de novo, ondas de indignação que nos fazem regredir a um tempo e a um espaço que já não é o nosso, deixando o caminho livre para as agendas políticas e para os interesses instalados jogarem a sua próxima cartada. Por isso, é que só pensamos nas consequências do nosso voto, depois das eleições. Nos períodos dedicados à reflexão e à construção de uma consciência cívica, empenhada e responsável, discutimos qual foi o actor político mais medíocre em vez de perceber, intervir e questionar os projectos apresentados! Afinal, temos o forum na mão e não o utilizamos... porquê?

A palavra like, ou gosto, vulgarizada no Facebook, é outro exemplo da nossa renúncia à verdadeira linguagem. Deixou de ser uma expressão de sentimentos, viva e re-construida a cada relação, para se tornar num mero símbolo de informação, massificado, que serve para dizer, simultaneamente, que gosto e que não gosto, independentemente do assunto que legenda. Já não somos donos nem dos nossos próprios mundos porque nos auto-subjugamos e porque nos rendemos ao óbvio sem o questionar e sem o des-construir. Auto-limitamos o conhecimento, porque a informação torna a nossa linguagem finita, previsível e controlada.

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