domingo, 14 de fevereiro de 2010

A Nova Classe Emergente – Prostituto Cívico


"Comandar não significa dominar, mas cumprir um dever"
Séneca


(Terá cerca de 2 000 anos esta frase, mas a modernidade do seu sentido parece intemporal!
Também, segundo relatos credíveis, Séneca, deu cumprimento exemplar ao principio que proferiu, independente da sua riqueza pessoal, prestando um exemplo raro de Ética e de cidadania ao compatibilizar a dedicação ao serviço da “coisa pública”  com a esfera privada.)

Comandar não significa dominar

Somos contemporâneos de sucessivos episódios fáceis de identificar em todos os quadrantes do arco do poder, actual ou mais recente, onde as tentativas de dominar se sobrepõe a todas as medidas que conduzem a uma efectiva alteração do estado a que as coisas chegaram. Quem chega ao poder,  através de legítimos propósitos eleitorais sufragados, monta de imediato um perímetro blindado de onde emanam, não as soluções que se esperam para os problemas que atravessamos, mas uma espécie de teia que tudo varre, num expurgo generalizado ou limpeza selectiva, onde os critérios não se pautam pela competência ou pelo cumprimento dos objectivos específicos que nortearam a sua legitimação, mas por uma política de nomeações, onde predominam os perfis individuais facilmente manipuláveis, dispostos a perder  a honra a qualquer preço – uma espécie de prostituição cívica da pior espécie!
O resultado é o assalto voraz aos diferentes níveis das estruturas do Estado pelas máquinas partidárias, que rapidamente ficam fora de controlo, em vagas sucessivas e “subterrâneas” de onde emergem ansiosos de protagonismo um tipo de indivíduos, investidos de um pseudo-poder e de um conhecimento a-prori que os capacita para tudo e que tudo lhes permite na luta pelas suas pretensões individuais.
Isto torna-se perigoso e resulta muitas vezes em planos que escapam às próprias cúpulas, normalmente, nos fins de ciclo, foi assim com o cavaquismos, com o guterrismo, com o barrosismo, com o socratismo e, agora?... nem sei que nome lhe dar! Mas, se este assalto consentido for bem sucedido, significa o passaporte para outros patamares, cada vez mais próximos do topo da pirâmide. Arriscar, torna-se a única saída para passar do anonimato dos jantares da carne assada à ribalta interna!
Significa isto, que temos que ter em consideração a existência de dois tipos de poder no actual regime democrático. O poder interno subterrâneo, construído à imagem e semelhança de cada indivíduo que integra a “máquina” e que é altamente corrosivo e des-construtivo no plano social porque acentua as injustiças e os favorecimentos. E, o poder real, legalmente investido, com origem na “máquina” e controlado por esta. É permissivo face às investidas das estruturas partidárias ao aparelho de Estado em diferentes planos sociais e económicos. É facilitador e, muitas vezes, financiador ou fiador das actividades partidárias. É neste plano, pseudo-consentido, que se recrutam os correligionários, totalmente fiéis sem pensamento próprio, mas dispostos a executar qualquer tipo de plano ou “trabalho sujo”, sem escrúpulos e a troco de um lugar cada vez mais próximo do topo. É desta forma que acumulam um capital de confiança que será a sua moeda de troca, o seu passaporte, para um lugar que no futuro alimentará os seus interesses privados – a prostituição cívica visível na promiscuidade gerada por uma teia de interesses que se passa debaixo dos nossos olhos.
Uma característica destes grupos, é a sua progressiva sensação de domínio, de controlo social sobre tudo e sobre todos, com consecutivos atropelos, barbaridades e também com os maiores disparates e infantilidades!
Entendido assim, o regime dominante nas décadas que se seguiram à Revolução de Abril  é uma autocracia, legitimado por uma capa de democracia partidária controlada por aparelhos partidários vazios de cidadania e impregnados de lóbis a quem interessa dominar, controlar e viabilizar os princípios sociais e económicos que permitem movimentar, por ciclos, enormes montantes de fundos públicos para o sector privado, sobretudo para o sector financeiro, em detrimento do interesse público e através da espoliação dos contribuintes numa espiral incessante de impostos. 
Um líder que emerge dentro deste quadro passa, rapidamente, de um democrata a um autocrata, suportado por um regime que o legítima democraticamente, mas cuja resposta deixa de ser o seu caderno eleitoral, o seu discurso pré-eleitoral que todos ouviram e registaram e que se tornou base do seu voto, para ser uma resposta aos fiadores, que esperam, ávidos, o seu quinhão milionário, transformando o poder real numa quimera de legislatura em legislatura, como o povo diz, para inglês ver!  Um líder aprisionado, que transforma um Regime Democrático num regime aprisionado!

Cumprir um dever

É esse o papel do líder, fazer cumprir o poder real, transformando-o em decisão, em justiça e em progresso, honrando os compromissos pré-eleitorais, as promessas e o mandato democrático para que foi investido. Imune a pressões e interesses privados, orientado por um principio intemporal, Comandar (...) para cumprir um Dever! Defendendo o Regime Democrático dos ataques mais vilipendiosos de interesses privados instalados e sem escrúpulos, que giram na sua esfera.
É ingénuo pensar que isto é possível?
Se a tua resposta for positiva, cuidado! És um (potencial) prostituto cívico.... 

Vítor Baptista – Cascais

Fev. 2010

2 comentários:

constantino disse...

Pois! Enquanto não houver, por todos, a coragem para enfrentar e mostrar como fazem e como são os poderes da politiquice, já que eles, uns e outros, tacitamente se protejem utilizando uma conveniente omissão, porque sabem que a lei da alternância é implacável, e o que hoje é teu amanhã será meu, continuaremos a engolir todos os "sapos vivos" e os sapos velhos, na esperança de que apenas sejam recordados, com certo alívio, como sapos mortos, porque será assim que historicamente ficarão conhecidos. É louvável o seu empenho em mostrar-nos como são e como se movem as estrturas partidárias, onde impera a bajulação, o esmagamento de quem estiver ao lado, o jogo rasteiro, de cintura e ombros, num vale tudo para se ganhar um lugarzito no tal "aparelho". Faz bem em carregar e denunciar, mas lembre-se que, se como diz o Povo "de homem para homem não vai força de boi", já de homem para para BOY vai uma distância imensurável e uma força quase invencível que os favorece, porque eles, os Boys, são matreiros e utilizam armas viciadas. Quer um conselho? Serve aquele que já terá milhares de anos: "Se não os podes vencer, junta-te a eles"
constantino

Vitor B. disse...

Voltando atrás, "– nunca se rouba e não se acompanha alguém que o faça”; (....); “não se põem castanhas no lume sem as esbolar”. Aqui aplica-se 100%! E, como o meu avô dizia, "não guardo as cabras de ninguém". Portanto, por enquanto, fico por aqui!

Em todo o caso, obrigado pelo conselho, é um alerta! Mas também sei que se os conselhos fossem bons, vendiam-se, não se davam!
Vitor